quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Igreja do Véu: igreja ou heresia?

Na ocasião em que comentei o livro do Raimundo de Oliveira, o que mais me assustou foi a crítica a algo (no caso, o marxismo)  que o autor não conhecia. Ora, a crítica pressupõe conhecimento razoável daquilo que se propõe analisar. E, por incrível que pareça, fica uma sensação de que isso se repete também no livro do Pastor Amaral que ora analisamos, não obstante aos longos anos declarados na Congregação.
As informações apresentadas sobre a história da Congregação demonstram um pouco isso. Há discrepâncias enormes entre o que é declarado pelo autor e o que de fato a história registra. Mesmo a história do pentecostalimo, em alguns trechos, é visto de forma equivocada ou errônea. Vamos a alguns deles.
Erros históricos
1. A Congregação Cristã foi a maior igreja nos EUA até os anos 60.
Chegou a ser considerada a maior igreja pentecostal dos EUA., isso até os anos 1960. De lá para cá foi se definhando e hoje têm entre congregações e igrejas, aproximadamente 30 locais de reuniões. Sendo considerada uma igreja quase extinta naquele país.” (p. 9)
Em curto trecho, tantos erros. Primeiro, Amaral desconhece que a Congregação Cristã, como igreja organizada nacionalmente, inexistiu nos EUA até a década de 1980. Consequentemente, é faltar com a verdade dizer que foi a maior igreja pentecostal dos Estados Unidos. As diversas igrejas ligadas ao mesmo ancião que visitou pioneiramente o Brasil, Luigi Francescon, eram profundamente congregacionalistas e de matiz étnica. As igrejas originais não se definharam. Muitas ainda hoje conservam-se na organização feita desde o princípio, pautadas pelo absoluto congregacionalismo. Outras se filiaram nominalmente as diversas denominações nacionais americanas. Algumas outras, na década de 1980, resolveram se relacionar, criando uma denominação semelhante a que hoje está presente no Brasil.  Tal fellowship foi constituída originalmente por três congregações, saltando, nos últimos trinta anos, para quase cem locais de culto. Isso não é exatamente um estado de definhamento.
2. A Assembléia de Deus foi fundada depois da Congregação Cristã.
Fazendo um paralelo, hoje temos quase 62% dos evangélicos americanos nas Assembléias de Deus, que tiveram sua fundação muitos anos posteriores aos da Congregação Cristã”. (p. 9)
Segundo dados da Assembléia de Deus nos Estados Unidos, o número de membros está em torno de três milhões. A população dos Estados Unidos, segundo estimativa feita em 2005, está um pouco menos de trezentos milhões. Isto é, a Assembléia de Deus, hoje, tem em suas fileiras algo em torno de 1% da população estadunidense, percentual desproporcional aos 62% declarados.
Além do mais, a Congregação Cristã foi organizada na década de 1980, conforme já explicado. A primeira tentativa de comunhão entre as igrejas pentecostais italianas se deu em 1927, ocasião em que, reunidos em Niágara Falls, os principais líderes organizaram pontos de doutrina comuns. Todavia, não houve uma organização formal que, de fato, aconteceu com a Assembléia de Deus em 1914.
Então, não resta dúvida que a Assembléia de Deus se constituiu, como organização denominacional, anteriormente a Congregação Cristã.
3. Problemas com o progresso em números
O maior exemplo da sua fase de decadência é a falta de crescimento. A igreja no bairro do Bras, sua sede mundial, foi construída nos anos 50, e desde então não foi edificada nenhuma igreja do mesmo porte ou mesmo maior que ela, que comporta não mais que 5.000 pessoas. (….) Pelos relatórios da própria Congregação, suas avaliações de 1987 até 1997, seu crescimento em nível nacional nao superou a marca dos 5% anuais, o que equivale a quase 0%” (p. 10)
Ora, se decadência pode ser medida por falta de crescimento, o que dizer da Assembléia de Deus norte-americana, que cresce a 1% ? Se 5% é “quase 0%” (SIC!), o que dizer de 1,3%? E nem por isso, veja, podemos concluir que a Assembléia de Deus estadunidense está em decadência. Pelo contrário; a AG foi e é referência para o pentecostalismo histórico mundial.
O desconhecimento sobre a pouca construção de templos enormes também evidencia a falta de conhecimento sobre a já pouca literatura oficial. Diversos encaminhamentos sobre a limitação do tamanho das congregações foram feitos nas Reuniões Gerais Anuais do ministério em 1964, 1971 e mais recentemente em 2007. A decisão por não construir enormes casas de oração foi deliberada.
4. A grandeza e os monumentos
Até os meados dos anos 30, esse movimento era um dos maiores naquele país. Havia centenas de igrejas espalhadas por todo o país. Hoje, daquele mover espiritual, restam poucas igrejas, o movimento acabou, ficaram grandes monumentos, e a igreja comparada a outros grupos denominacionais, está morrendo”. (p.11)
Se Raimundo de Oliveira faz citações de diversos autores e não os listam na bibliografia (não se sabe porque, embora essa estratégia é muito utilizada quando alunos têm contato com bibliografia secundária. Isto é, lê o livro de fulano que cita ciclano e aí o espertinho escreve, no trabalho, a citação de ciclano como se lido-o em primeira mão), Amaral não tem preocupação em lastrear seus fundamentos bibliográficos para referenciar sua análise histórica. Aliás, não há nenhum elemento que possa nos levar a concluir que o autor trabalhou com fontes primárias  sobre a história do movimento pentecostal italiano nos Estados Unidos. E isso é grave, porque resulta em afirmar inverdades. Se a ética do pesquisador laico o obriga a verificar a informação, qual seria a ética do pesquisador evangélico?
Nesse sentido, não há nenhum indício de que a Congregação Cristã foi uma das maiores denominações dos Estados Unidos. Não há nenhuma referência sobre os “grandes monumentos” em nenhum livro que trate da história do pentecostalismo. Nem sequer o próprio autor indica quais “grandes monumentos” seriam esses.
5. A relação entre Daniel Berg, Gunnar Vingren e Luigi Francescon
Luis Francescon saiu com mais dois irmãos com destino ao Brasil, inclusive estes outros dois começaram o movimento pentecostal em Belém do Pará, dando origem a Assembléia de Deus no Brasil” (p. 11)
A matriz da Assembléia de Deus e da Congregação Cristã no Brasil é comum, disso não há dúvidas. Além de Berg, Vingren e Francescon terem recebido na mesma igreja (pastoreada por William Durham, em Chicago) mensagem para vir ao Brasil, o diário de Gunnar Vingren relata, em seu diário, um encontro com Francescon na década de 1920. Isso demonstra o espírito fraternal entre os dois movimentos pentecostais.
No entanto, Francescon jamais saiu dos Estados Unidos acompanhado por Daniel Berg e Gunnar Vingren. Na primeira viagem ao Brasil, em março de 1910, teve como companheiro Giacomo Lombardi. Francescon, Vingren e Berg vindo juntos para o Brasil em 1910 contraria tanto a história oficial da Assembléia de Deus quanto da Congregação Cristã.
6. Os rachas na CCB
A Congregação Cristã no Brasil já passou por 3 rachas. A primeira em 1949, a segunda em 1961 e a última em 1990” (p.31)
Por causa de todo esse radicalismo, já aconteceram várias tentativas de cisão dentro da Congregação. O primeiro em 1949, outro em 1957, e o mais recente em 1990” (p. 37).
O problema com a história reflete também quando o autor anuncia “rachas” na CCB. Nas duas passagens em que se refere a divisões na denominação, Amaral não se encontra com as datas. Se 1949 e 1990 é comum, há uma imprecisão quanto a segunda. Novamente, anuncia um fato e não apresenta evidências disso. Que rachas foram esses? Representou uma perda significativa de membresia e igrejas? Não, porque, ao que parece, da mais forte cisão que a Congregação teve – em 1991 – o fato se limitou a algumas igrejas. Do ponto de vista histórico, não chega a ser uma divisão de grandes proporções.
7. Heranças históricas da Igreja Católica
Lamentavelmente é uma igreja que copiou o modelo de administração da Igreja Católica Apostólica Romana, se tornando muito diferente das igrejas evangélicas. (…) Da mesma forma que os católicos romanos se submetem ao Vaticano (…) os adeptos da Igreja do Véu estão submissos à igreja do Brás.” (p.10)
Outra descoberta é que o véu tem a sua origem nas irmãs católicas” (p.43).
O modelo de administração da Igreja Católica é episcopal, no qual é acompanhado pelas igrejas anglicana, metodista, universal do reino de Deus, internacional da graça de Deus, entre outras. Isso não as fazem mais ou menos cristãs. Esse é o primeiro ponto.
Segundo é que o uso da palavra submissão, enquanto colocadas parelhadas o Brás e o Vaticano, intencionalmente induz ao leitor a avaliar negativamente a comparação. Seria diferente se disséssemos que, “da mesma forma, os assembleianos se submetem a CGADB, ou CONAMAD, ou alguma outra convenção”? Não.
Terceiro, o fato de a Igreja Católica ter preservado até o Concilio Vaticano II o uso do véu não pode ser precedente para afastá-lo. Fosse assim, deveríamos deixar de crer na Trindade, porque essa “tem a sua origem nos padres católicos”.
Temos, portanto, uma sequência notável de incorreções.

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